Uso de telas por crianças

A cada dia estamos mais e mais dependentes da tecnologia. Uma série de atividades que há alguns anos demandava muito tempo e energia para ser realizada pode agora ser resolvida rapidamente, desde que você tenha um dispositivo conectado à Internet. Só que muitas vezes não paramos para pensar nos malefícios que o excesso de tecnologia traz para nós e para as pequenas e pequenos, especialmente no que se refere ao uso de telas por crianças.

A presença das telas no nosso cotidiano não é recente. Desde a década de 1970, com a popularização dos televisores no Brasil, fomos nos acostumando a conviver diariamente com a tela. Mas o cenário que encontramos nos últimos 15 anos é completamente diferente – e mais preocupante – do que vivenciamos nas últimas décadas do milênio passado.

O advento e popularização dos telefones de telas sensíveis ao toque e tudo que dele derivou – TVs e monitores de tela plana, tablets, a popularização dos notebooks – mudou completamente nossos hábitos de consumo de conteúdo audiovisual. E como quase tudo que acontece de forma descontrolada, o uso de telas por crianças se tornou algo muito mais nocivo do que poderíamos imaginar.

Transição alimentar

 

Como as características das telas afetam as pessoas

A formação de cores nas telas dos dispositivos respeita o padrão RGB, sigla formada pelos nomes,em inglês, das cores primárias: Red (vermelho), Green (verde) e Blue (azul). Na prática, os dispositivos emitem um feixe de luz vermelha, outro de luz verde e outro de luz azul e, de acordo com a programação da mistura das cores primárias, forma-se a cor que vemos na tela.

Isso quer dizer que, durante todo o tempo que estamos expostos à tela, nossas retinas estão captando feixe de luzes de três espectros diferentes. Nela ficam células fotorreceptoras que, ao captar a luz, as transmitem como impulsos nervosos, para que nosso cérebro interprete corretamente as cores.

A questão aqui é que essas células fotorreceptoras se comportam de forma diferente. Especificamente a luz azul é captada por um fotopigmento chamado melanopsina. E quando este fotopigmento está captando a luz azul, ele informa à célula, e consequentemente ao cérebro, que não é hora de produzir melatonina, o hormônio que regula o sono. Isso porque nosso corpo aprendeu a identificar azul como o dia, uma vez que é a cor do céu. Sendo assim, se nossos olhos estão captando azul, nosso cérebro interpreta que, mesmo com o corpo cansado, ainda não é hora de dormir.

 

Uso de telas por crianças: recomendações para os pais

Para além dos efeitos sobre o sono que afetam pessoas de qualquer idade, há riscos específicos no uso de telas por crianças. Em vários dos textos publicados aqui no site, já expliquei que vários dos sistemas de um bebê – nervoso, digestivo, respiratório – além da cognição terminam de ser formados na primeira infância. E um dos órgãos que se desenvolve ao longo da infância são os olhos.

Como explicado pela oftalmopediatra Luciana Almeida Morais, o controle do crescimento ocular é determinado pela dopamina, um neurotransmissor que é produzido de acordo com o nosso ritmo cicardiano: é produzido em maior quantidade durante o dia e menor quantidade à noite. Se uma criança passa muito tempo na tela, especialmente em ambientes mais escuros, ela pode produzir menos dopamina. Com esse neurotransmissor em menor quantidade, o olho tende a crescer – mais especificamente, se alongar – caracterizando assim o desenvolvimento da miopia.

E para além das alterações fisiológicas, o excesso do uso de telas por crianças também aponta para alterações comportamentais. Exposição excessiva a telas atrasa o desenvolvimento cognitivo, inclusive na fala. Neste ano a professora Lígia Pertence, do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG – onde me formei – explicou em entrevista que para avançar na fala, a criança precisa ser estimulada. E o comportamento de qualquer pessoa diante da tela é passivo: a gente vê e ouve; não fala. Crianças precisam ser estimuladas a falar, precisam entender-se numa situação de interação e perceber que há espaço para elas falarem. Sem isso, a dicção não acontece.

No início de 2020, a Sociedade Brasileira de Pediatria atualizou suas recomendações sobre a saúde de crianças e adolescentes na era digital. Crianças menores de dois anos não devem ser expostas a tela em hipótese alguma e, entre dois e cinco anos, essa exposição deve ser, no máximo, de uma hora por dia. Entre seis e 10 anos a criança pode ficar de uma a duas horas por dia na tela. Em todos esses casos, pais e cuidadores sempre devem supervisionar o que está sendo assistido.

Nas consultas de puericultura, sempre deixo um espaço para conversar com papais e mamães sobre hábitos das crianças. Desconectar-se dos dispositivos e sair para brincar, se movimentar, é fundamental para o desenvolvimento motor de bebês e crianças, além de influenciar diretamente na saúde do aparelho locomotor. Portanto, papais e mamães: controlem o tempo de tela dos seus filhos! Isso vai impactar positivamente no sono, no desenvolvimento cognitivo e na saúde de suas filhas e filhos!