Seletividade alimentar em crianças autistas

Quem acompanha os conteúdos que posto no blog e no meu Instagram já deve ter percebido que eu frequentemente falo de nutrição, destacando a importância de desenvolver bons hábitos alimentares em crianças. Alimentos permitidos são tema das minhas consultas desde a transição alimentar. Entretanto, pequenas e pequenos que sofrem do transtorno do espectro autista podem apresentar resistência a certos alimentos. Essa seletividade alimentar em crianças autistas torna-se, portanto, um verdadeiro desafio para mamães, papais e demais cuidadores.

Quem leu meu texto sobre autismo vai se lembrar que ele é um transtorno neurológico que provoca déficit na capacidade de comunicação verbal e não verbal, ocasionando dificuldade na interação social e na reciprocidade sócio emocional, o que acaba gerando alterações comportamentais. Autistas possuem pouca flexibilidade mental, o que gera uma forte resistência a mudanças. Sendo assim, diante da falta de repetição de padrões – inclusive na alimentação – o autista apresentará maior ansiedade.

De forma geral, seletividade alimentar já é algo bem comum em crianças. Promover a transição alimentar com uma rotina adequada, introduzindo o máximo de alimentos permitidos e variando o modo de preparo dos alimentos já não é tarefa fácil quando a criança que está sendo cuidada não apresenta nenhuma patologia ou transtorno. Em uma pequena ou pequeno autista, o quadro fica ainda mais complexo.

Em cenários complicados, informações e orientações costumam ser bem-vindas. Este texto tem a intenção de ajudar papais, mamães e demais cuidadores a lidar com a seletividade alimentar em crianças autistas.

Transição alimentar

 

Particularidades da criança com TEA

Crianças que possuem o transtorno do espectro autista normalmente apresentam, como principal sinal, o déficit na habilidade de comunicação verbal e não verbal, condição que pode acabar provocando prejuízos graves de funcionamento, inclusive limitando as capacidades comportamentais do indivíduo. Contudo há outro conjunto de sinais, mais difíceis de serem identificados, que ajudam a caracterizar o diagnóstico de pacientes autistas: as alterações sensoriais.

Portadores do transtorno do espectro autista podem apresentar aumento ou redução da reatividade à entrada sensorial ou um interesse incomum em aspectos sensoriais do ambiente. Esses sinais são descritos na na quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o DSM-5, como o Transtorno do Processamento Sensorial, uma das comorbidades frequentemente associadas ao TEA.

Estudos recentes sugerem que portadores do transtorno do espectro autista possuem diferenças na conectividade da via tálamo cortical.  O tálamo é uma estrutura do nosso cérebro que está envolvida na transmissão de informações sensoriais, modulando sinais motores e regulação da consciência.

A alteração da percepção sensorial associada às limitações de capacidades comportamentais do indivíduo que tem TEA cria as condições para a resistência à alteração e padrões sensoriais. Quando esses fatores manifestam-se nas pequenas ou pequenos, o quadro de seletividade alimentar em crianças autistas fica, enfim, configurado.

 

Seletividade alimentar em crianças autistas: o que os cuidadores podem fazer

Conforme expliquei no texto sobre autismo que publiquei aqui no blog, recomenda-se uma equipe multidisciplinar para concluir o diagnóstico do TEA. Se possível, a mesma equipe deve acompanhar o paciente para tratar de todas as questões que se manifestarem, inclusive a alimentação. No caso específico da nutrição do autista, além da pediatra, psicólogo, fonoaudiólogo e psiquiatra, cabe a consulta a um nutricionista.

Para lidar com a seletividade alimentar em crianças autistas recomenda-se começar com alguns procedimentos que apresentei no texto sobre transição alimentar: comer alimentos sólidos com a própria mão. Dado que a criança com TEA tem uma percepção sensorial alterada – podendo ser de audição, visão, tato, olfato e paladar -, a percepção completa do alimento pode ajudá-lo a entender o que está comendo.

Se a criança ainda assim apresentar resistência, apenas coloque o alimento na mesa, mesmo que distante da criança. Essa é uma tática para ele ir se ambientando pelo menos à aparência, cheiro e talvez textura do alimento – mesmo que a criança o sinta apenas com a mão.

Caso a criança aceite a presença do alimento na mesa, no dia seguinte, ele pode ser colocado novamente, só que dessa vez, mais próximo à criança. A conquista da familiaridade da criança autista com o alimento acontece realmente aos poucos.

Se o período de rejeição ao alimento passar, daí cabe a tentativa de inserir o alimento no prato da criança e analisar o comportamento. Recomenda-se, inclusive, começar com alimentos parecidos com o que a criança tolera. Se ela gosta de laranja, apresente uma mexerica. Se ela tolera uma folha, tente outra parecida. Além disso, introduza o alimento em pequenas quantidades, para evitar de criar a impressão que ela terá que ingerir em demasia algo que ela desconhece.

Outra importante recomendação: realize esse processo alimento por alimento. Varie o máximo nos alimentos que a criança já não apresenta resistência e realize o processo de aproximação sempre com um por vez. Reforço: a conquista da familiaridade da criança autista com o alimento acontece devagar.

Por fim, mas não menos importante:valide os sentimentos da criança com autismo, seja nas situações de seletividade alimentar, seja em qualquer outra. A sensação de inadequação é comum em pequenas e pequenos com TEA. Reforçá-las, reprovando o comportamento delas, piora os sintomas e pode comprometer a evolução do tratamento.

Se você estiver com dúvidas ou dificuldades na alimentação do seu filho, independente se ele seja ou não portador de algum dos transtornos neurobiológicos, entre em contato! Na consulta, conversaremos sobre a situação e podemos traçar um plano para progredir na aceitação da criança aos alimentos mais importantes!

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